Miséria, Mordaça e Cátedra

 

“Aconteceu que um pobre clérigo veio à corte do Senhor Papa e suplicou, dizendo: “Tende piedade de mim, porteiros do Papa, pois fui tocado pela mão da pobreza. Sou pobre e indigente. Por isso vos imploro, vinde em ajuda de meu desespero e de minha miséria” (Evangelho Segundo o Signo do Dinheiro. In: Os intelectuais na idade média. Jacques Le Goff, 2006.p.53)

Toda campanha política evidencia a mola propulsora da educação para desenvolvimento do Brasil. Os candidatos em todos os níveis, em todos os debates, esboçam planos e programas para educação integral, valorização do magistério, melhoria da qualidade na oferta, com escolas dotadas de infraestrutura, ensaiando que o papel dos educadores para o futuro do país é inestimável.

Em novo momento de comemoração do “Dia do Professor”, não faltarão elogios e elegias para os profissionais da educação, as páginas das redes sociais e caixas de mensagens d@s professoras provavelmente receberão muitas felicitações, com elogios sinceros e outros tantos protocolares.

Os educadores – entendidos aqui como professores e professoras, vivem a encruzilhada cotidiana em esmorecer diante do horizonte alinhado pelo governo, no famigerado “Piso Nacional do Magistério”, considerando como base inicial para carreira do magistério, atualmente a irrisória quantia de R$ 2.926,56. Enquanto governantes municipais e estaduais ensaiam uma tentativa de reverter o salário mínimo da profissão, outros profissionais dirão que se trata de um excelente salário considerando o salário mínimo de R$ 954,00, comparativamente às distintas categorias.

Porém, o valor comparado aos auxílios, privilégios e outras benesses de poderes da república tupiniquim, sempre estão orientados para um teto salarial, nunca para o famigerado piso salarial. A miséria é nossa cotidiana companheira, silenciamos e aceitamos passivamente nossa missão, desvalorizando a profissão que escolhemos.

Não bastasse a condição de subserviência aos ditames – investimento/despesa, os educadores são submetidos na atualidade a mordaça do autoritarismo que evoca a publicação e aprovação de aparato legal, intitulada de “Escola Sem Partido”, que fere um dos princípios seculares da profissão, a liberdade de cátedra. É a redução do papel de educador em tutor de crianças e adolescentes. O conhecimento, a razão, os fundamentos, a inteligibilidade, a sensibilidade, a universalidade do saber, edificante tarefa do ofício intelectual, são traduzidas por escolas submetidas a “convicção do edifício moral” dos pais. A lei férrea da mordaça construirá uma elite de inábeis para um mundo que exige criticidade, reflexão e discernimento, inabilitando para gerar igualdade de oportunidades numa sociedade tão competitiva.

Os instrumentos de controle e apascentamento na atualidade, permitem a criação de uma multidão de ignaros e iletrados, difundindo os analfabetos funcionais na sociedade digital. Se retomássemos um pequeno estrato histórico dos instrumentos tão difundidos desde a Idade Média (Século XIII) para o professor exercer suas atividades – um livro, uma escrivaninha, uma lâmpada noturna, uma tinta para pena, uma régua, uma cadeira, um quadro, um púlpito e uma estante, ainda ficamos estupefatos com a produção intelectual, difusão do conhecimento universal e profusão de descobertas que fazem nossa vida melhor. A cátedra com liberdade, produziu o escolástico, o erudito, o moderno, o intelectual e guiou-nos para além das certezas e crenças, evidenciando a verdade provada, decifrada.

Num momento de contraditória submissão do livre-pensar e livre-agir, a miséria amordaça a cátedra, estabelecendo uma tendência para uma sociedade descompromissada com governantes hipócritas obliterando a educação brasileira e seus profissionais. Assim, ratifica-se a máxima entoada no Santo Evangelho Segundo o Signo do Dinheiro: “Amigo! Que tua pobreza esteja contigo para tua perdição!”

Por Eduardo Guerini