A declaração do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), nesta quarta-feira (7/11), sobre a incorporação do Ministério do Trabalho a alguma outra pasta gerou dúvidas na comunidade jurídica brasileira quanto a capacidade de êxito da medida. Bolsonaro falou sobre o assunto após almoço no Superior Tribunal de Justiça.
De acordo com o especialista em Prevenção de Riscos Laborais pela Universidade de Alcalá de Henares (Madrid), Fernando Maciel, o Brasil apresenta um cenário trágico no que diz respeito ao número de acidentes e de doenças ocupacionais. Segundo relatório da ONU de 2015, o Brasil é o terceiro colocado mundial em acidentes fatais, perdendo apenas para China e Estados Unidos. A mudança poderia, na visão dele, agravar o quadro.
“Temos também um déficit muito grande de auditores fiscais do trabalho, com mais de mil cargos vagos. A força de trabalho da fiscalização hoje já é pequena. A partir do momento em que, por exemplo, a secretaria de inspeção do trabalho venha a compor qualquer outra pasta, perde-se esse caráter prioritário de política pública de prevenção de acidentes e doenças ocupacionais e, por consequência, ao que tudo indica, a tendência é piorar ainda mais esse cenário”, avaliou.
Para Maciel, a reforma trabalhista em vigor há um ano é também um elemento que merece consideração para que tal decisão seja tomada. Ao flexibilizar as leis do trabalho, o trabalhador fica exposto a jornadas mais longas e condições mais duras. Seria o momento, então, de fortalecer a fiscalização.
“Não é apenas o trabalhador vítima desse acidente, dessa doença, que vem a ser atingido, mas o próprio empresário, que tem um prejuízo financeiro grande ao ter que contratar outro profissional, fazer a manutenção da máquina, paralisar as atividades até restabelecer as medidas de segurança. O impacto é muito grave. Sem contar também as consequências jurídicas, ao suportar uma ação indenizatória, sofrer uma ação regressiva, por parte da AGU”, enumerou o especialista.
Fernando Maciel lembra ainda os custos arcados pela sociedade, que custeia a seguridade social e os atendimentos da rede pública de saúde. Ela cita dados da Organização Internacional do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho segundo os quais os benefícios previdenciários que são gastos em virtude de acidentes ocupacionais, de 2012 até agora, somam mais de R$ 72 bilhões.
Guilherme Feliciano, presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), enfatizou a carga histórica da pasta na defesa dos direitos dos trabalhadores. “O Ministério do Trabalho é uma instituição que carrega consigo uma tradição de 88 anos de história. Sempre protagonizou uma pasta ministerial. O trabalho, como todos sabemos, é um valor constitucional referido entre os fundamentos da República. A pasta já teve vários nomes, mas sempre o trabalho como um eixo de centralidade das políticas públicas. Perder isso da noite para o dia, senão por outras razões, emblematicamente é de fato algo a se lamentar”, disse.
Para além da simbologia, ele acredita que as políticas públicas seriam desmanteladas. “O desmembramento será péssimo para as políticas públicas que estão concatenadas. Os recursos que seriam geridos pelo fundo de amparo ao trabalhador e pelo FGTS, que, somados, são da ordem de R$ 1 trilhão, seriam geridos com que finalidade? A partir de quê planejamento? Hoje, o Ministério do Trabalho realiza essa gestão com um foco muito claro, de fomento à empregabilidade e às políticas públicas”, ponderou o presidente da Anamatra.
Para o professor de direito do trabalho Ricardo Calcini, a fala do presidente precisa ser mais detalhada, até porque, para ele, não se está a afirmar a extinção da pasta.
“O Ministério do Trabalho detém uma série de atribuições institucionais ligadas às relações trabalhistas e sindicais: registros das convenções coletivas de trabalho, controle da carta sindical, seguro-desemprego, programa de alimentação do trabalhador, além da própria fiscalização no cumprimento das normas trabalhistas”, afirma.
Segundo Calcini, se a extinção for concretizada no próximo ano, a observância da Lei da Reforma Trabalhista ficará prejudicada, na medida em que o E-social, criado para fiscalizar as empresas quanto ao cumprimento da legislação, terá sua aplicabilidade reduzida, por exemplo.
“Além do mais, hoje fica difícil pensar que algum órgão do Poder Executivo tenha estrutura suficiente para absorver todas as atividades promovidas pelo ministério. Quiçá, pode-se pensar na eventual fusão de pastas ministeriais, mas não na extirpação do próprio ministério”, explica.
No entendimento do especialista em direito do trabalho Douglas Matos, do Costa & Koenig Advogados Associados, a extinção do histórico Ministério do Trabalho, criado em 1930, indica uma mudança da figura do Estado sobre as relações de trabalho, distanciando-o dos objetivos da criação dele por Getúlio Vargas. As consequências dessa mudança dependerão, para ele, da forma como serão organizadas as atividades então executadas por aquela pasta.
Incorporação x supressão
Patrick Rocha de Carvalho, advogado trabalhista, afirma que a realocação da pasta não pode ser vista, a princípio, por um viés pessimista. “Não há grandes problemas desde que não haja desmantelamento. Quando a gente fala em incorporação, tem que ter a justificativa técnica. Se houver uma justificativa técnica e de logística, não vejo problema. Não podemos confundir por desmantelamento da estrutura de fiscalização, que diminuiria a importância com menos pessoas e recursos. Acho que não é isso que ele quer. Ele quer o aproveitamento técnico”.
Em nota, o ministério, que completa 88 anos no próximo dia 26, afirmou que foi criado “com o espírito revolucionário de harmonizar as relações entre capital e trabalho em favor do progresso do Brasil”.
“O futuro do trabalho e suas múltiplas e complexas relações precisam de um ambiente institucional adequado para a sua compatibilização produtiva, e o Ministério do Trabalho, que recebeu profundas melhorias nos últimos meses, é seguramente capaz de coordenar as forças produtivas no melhor caminho a ser trilhado pela Nação Brasileira, na efetivação do comando constitucional de buscar o pleno emprego e a melhoria da qualidade de vida dos brasileiros”, disse a pasta no texto.
Fonte: ConJur